Maria do Amparo
Foi o dia mais feliz na vida de Maria do Amparo. Depois te ter contado os vinte e um degraus dos três lanços de escadas que separavam o pequeno patamar da porta de entrada da casa da patroa e a portaria do prédio com quase todas as partes do seu corpo roliço, estava feliz.
A patroa, uma condessa, ficara sentada no sofá da sala a olhar para o quadro do marido que ansiosamente a esperava no inferno. A patroa era surda e não ouvira nada, mesmo que tivesse ouvido, o seu primeiro pensamento iria para as velhas escadas de madeira e não para a sopeira que tinha ido comprar cebolas.
Maria do Amparo estava de quatro com a cara encostada ao soalho frio e com os olhar fixo num par de dentes ensanguentados que pareciam deslocados no chão, já se tinha esquecido das cebolas para o chá da condessa.
Maria do Amparo contava mentalmente todos os seus ossos num estado de semi-consciência que lhe parecia a morte.
A face antes encarnada cor de sopeira caminhava agora para o negro azulado de uma trovoada de verão. Os glúteos estavam do lado oposto à cabeça orgulhosamente levantados e descobertos pois a saia comprida e a combinação branca tinham caído sobre a cabeça da pobre.
Estava ela nestes propósitos quando a porta se abriu e ela sentiu uma ligeira corrente de ar nas suas partes.
O Madaleno estivador, vinha da taberna duas portas ao lado para aliviar a bexiga cuja pressão graças às taças de tinto já tinha ultrapassado o limite do aguentável. Ele fazia disso um cerimonial, mijar nas escadas da condessa, além do sentido político, uma pequena vingança do proletário contra a condessa capitalista, era também melhor porque em vez do balde numa dispensa malcheirosa da taberna tinha um vão de escadas que cheirava aceitavelmente, pelo menos até às suas primeiras três viagens da tarde de sábado.
Madaleno o estivador perdeu todas as vontades, ao encarar com as traseiras escancaradas da sopeira da condessa. As carnes fartas e disponíveis misturadas com o vapor do tinto fizeram-no pensar que tinha entrado no ecrã do Olímpia. A sua boca abriu-se tanto que Madaleno quase se esqueceu que era mudo de nascença.
O tempo parou por uns segundos. Depois Madaleno deu uma volta cuidadosamente ao estaminé, o baixar e levantar do corpo descansaram-no pois chegara a pensar que estava morta.
Madaleno voltou à posição inicial junto à porta de entrada, e ficou curiosamente alinhado com a situação, curvou-se ligeiramente até ficar com o nariz a menos de um palmo daquele matagal de pêlos negros, baixou as calças e ajoelhou-se como fazem as pessoas na missa.
Maria do Amparo sentiu as suas carnes separarem-se à força de algo que nunca houvera sentido antes. O torpor da queda misturado com o despertar a sua jovem sexualidade de sopeira levaram-na pensar que morrera e estava no céu. Maria do Amparo bendisse durante mais de meia hora todas as novenas e terços que tinha rezado até então e esqueceu-se completamente que escorregara no tapete quando saíra para comprar cebolas para o chá da senhora condessa.
Madaleno acabou o serviço e limpou-se ao avental, e saiu para sempre da vida de Maria do Amparo.
Felismino do Amparo é cauteleiro na baixa de Lisboa, do pai que nunca conheceu herdou apenas a mudez, da mãe herdou o nome e a estória de que era filho de um Anjo, o mesmo Anjo que lhe partira os dentes da frente. Para Felismino a explicação fora sempre mais que suficiente.
A patroa, uma condessa, ficara sentada no sofá da sala a olhar para o quadro do marido que ansiosamente a esperava no inferno. A patroa era surda e não ouvira nada, mesmo que tivesse ouvido, o seu primeiro pensamento iria para as velhas escadas de madeira e não para a sopeira que tinha ido comprar cebolas.
Maria do Amparo estava de quatro com a cara encostada ao soalho frio e com os olhar fixo num par de dentes ensanguentados que pareciam deslocados no chão, já se tinha esquecido das cebolas para o chá da condessa.
Maria do Amparo contava mentalmente todos os seus ossos num estado de semi-consciência que lhe parecia a morte.
A face antes encarnada cor de sopeira caminhava agora para o negro azulado de uma trovoada de verão. Os glúteos estavam do lado oposto à cabeça orgulhosamente levantados e descobertos pois a saia comprida e a combinação branca tinham caído sobre a cabeça da pobre.
Estava ela nestes propósitos quando a porta se abriu e ela sentiu uma ligeira corrente de ar nas suas partes.
O Madaleno estivador, vinha da taberna duas portas ao lado para aliviar a bexiga cuja pressão graças às taças de tinto já tinha ultrapassado o limite do aguentável. Ele fazia disso um cerimonial, mijar nas escadas da condessa, além do sentido político, uma pequena vingança do proletário contra a condessa capitalista, era também melhor porque em vez do balde numa dispensa malcheirosa da taberna tinha um vão de escadas que cheirava aceitavelmente, pelo menos até às suas primeiras três viagens da tarde de sábado.
Madaleno o estivador perdeu todas as vontades, ao encarar com as traseiras escancaradas da sopeira da condessa. As carnes fartas e disponíveis misturadas com o vapor do tinto fizeram-no pensar que tinha entrado no ecrã do Olímpia. A sua boca abriu-se tanto que Madaleno quase se esqueceu que era mudo de nascença.
O tempo parou por uns segundos. Depois Madaleno deu uma volta cuidadosamente ao estaminé, o baixar e levantar do corpo descansaram-no pois chegara a pensar que estava morta.
Madaleno voltou à posição inicial junto à porta de entrada, e ficou curiosamente alinhado com a situação, curvou-se ligeiramente até ficar com o nariz a menos de um palmo daquele matagal de pêlos negros, baixou as calças e ajoelhou-se como fazem as pessoas na missa.
Maria do Amparo sentiu as suas carnes separarem-se à força de algo que nunca houvera sentido antes. O torpor da queda misturado com o despertar a sua jovem sexualidade de sopeira levaram-na pensar que morrera e estava no céu. Maria do Amparo bendisse durante mais de meia hora todas as novenas e terços que tinha rezado até então e esqueceu-se completamente que escorregara no tapete quando saíra para comprar cebolas para o chá da senhora condessa.
Madaleno acabou o serviço e limpou-se ao avental, e saiu para sempre da vida de Maria do Amparo.
Felismino do Amparo é cauteleiro na baixa de Lisboa, do pai que nunca conheceu herdou apenas a mudez, da mãe herdou o nome e a estória de que era filho de um Anjo, o mesmo Anjo que lhe partira os dentes da frente. Para Felismino a explicação fora sempre mais que suficiente.
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